quinta-feira, 4 de setembro de 2008

A cena de leitura II


Leitores Incomuns , de Milton Hatoum
Disponível em: ENTRE LIVROS

Um bom leitor reescreve o livro com a imaginação de um escritor. Alguns vão mais longe. Com os olhos no texto e um lápis na mão, eles fazem anotações nas margens das páginas, sublinham frases, cravam aqui e ali pontos de interrogação. Há os que elaboram fichas com resumos ou esquemas do enredo, árvores genealógicas, comentários sobre o tempo da narrativa, posição do narrador, personagens, idéias, metáforas, ambiente político, social etc. Esse leitor incansável seria o leitor ideal, mencionado por Umberto Eco no ensaio Seis passeios pelo bosque da ficção.
No Tempo redescoberto – último volume do Em busca do tempo perdido –, o narrador de Proust faz uma reflexão sobre esse tema. Um livro, diz o narrador proustiano, pode ser sábio demais, obscuro demais para um leitor ingênuo. A imagem que Proust evoca é a de uma lente embaçada entre o olhar e as palavras: um anteparo à leitura. Mas o inverso também acontece quando o leitor astucioso revela capacidade e talento para ler bem. De acordo com o autor francês, “cada leitor é, quando está lendo, o leitor de si próprio”. Ou seja, uma obra literária permite ao leitor discernir tudo aquilo que, sem a leitura dessa obra, ele não teria visto ou percebido em sua própria vida.
No quarto capítulo de seu belo ensaio O último leitor, o argentino Ricardo Piglia lembra a figura de um leitor incomum: o revolucionário e guerrilheiro Ernesto Guevara. O comandante Che sonhava ser escritor, mas o compromisso político-social o conduziu a outras veredas. No entanto, ele escreveu diários de viagem, textos sobre técnicas e estratégias de guerrilha, relatos inspirados diretamente em sua experiência revolucionária em Cuba, na África e na América do Sul. O que não falta em suas incansáveis viagens – inclusive a última, pouco antes de morrer – é o livro, a leitura.

6 comentários:

  1. Confesso.. Já fiz árvore genealógica dos Buendía em Cem Anos de Solidao!!

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  2. Onde acaba a terra e começa o Mar
    Há um lugar onde vive a ilusão
    Repousa na madrepérola das conchas
    Com a forma de um coração

    Onde as giestas se agarram à areia
    Onde as pedras têm diadema de algas
    Onde o Mar conta histórias longínquas
    Onde as vagas soltam distantes mágoas


    Bom fim de semana


    Mágico beijo

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  3. Passei aqui pra agradecer sua visita.
    Gostei daqui tb,voltarei pra ler seus textos com mais calma.
    Volte sempre.

    beijooo.

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  4. [...]“cada leitor é, quando está lendo, o leitor de si próprio”.
    Penso que não pode ser de outro modo. Um livro do qual se escuta a leitura feita por um terceiro é completamente outro do mesmo livro lido por nós mesmos. Ao reler um livro após um bom intervalo (alguns anos), o tal nos parece outro, dado que o receptor mudou (contamos com outras referências, vivências, etc). Raros aqueles que conseguem ser emissor para inúmeras gerações: é o caso dos Clássicos, da Bíblia, do Alcorão... Os livros sacros, aliás, costumam ser ofertórios de pura poesia.
    Os poemas místicos de São João da Cruz são capazes de dobrar corações deveras empedernidos: falta-me o ar só de pensar no amor da Amante(a Alma) pelo Amado (Deus), conforme ele descreve em seus poemas. Mas eu não rabiscaria certos livros...na verdade, penso ou sinto que certos livros é que me rabiscam...

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  5. Com relação a releitura,interessante sua opinião.Ítalo Calvino fala dessa experiência de ver com outros olhos aquilo que já é conhecido. Caso se interesse procure por "Porque ler os clássicos" desse autor.
    Quanto aos livros ligados às religiões, cabe a cada pessoa vivenciar em suas redescobertas reler com outros olhos. Muitas pessoas preferem não questionar e reler...

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  6. Olá Beatriz !! vim te conhecer também e confesso que me encantei com seus posts !1 há leveza nas palavars e sabedoria no que dizes...escreves muito bem !

    Possa add aos meus links favoritos ?

    bjkas pra vc

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