quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Carta em alto mar

Enfim, estou postando uma obra minha. Esse conto foi escrito e publicado em 2009 pelo Caderno de Autorias do SESC/SC - Coletânea Outubro.

CARTA EM ALTO MAR

         Buenos Aires, 23/04/1977
Caetano,
Soy la mujer que cambiaste en el navío Victoria. Tienes contigo una llave que es del cofre con mi herencia y está en Paris.
Se tu vuelves a mí, viajaremos hasta Francia y podría perdonarte.

Sofia G. S.

Eu estava terminando o projeto da casa de senhor Arnaldo Frontes quando lembrei que poderia colocar colunas diferentes das já escolhidas. Um modelo que aprendi na faculdade da Capela de Dalillo Montec, século XIII que foi destruída logo após a Guerra de Ontes.
Entre tantos entulhos no sótão, algumas caixas ainda tinham a etiqueta com identificações de seus conteúdos.
Buscava a das apostilas e papéis da universidade. Encontrei as fitas de videocassete de papai com gravação da Copa de 1985, onde a final foi entre Brasil e Alemanha e Dionélio decidiu a partida nos trinta e cinco do segundo tempo com um gol de cabeça. Sim, estava lá e eu sabia que mais ninguém iria rever aquela fita, até porque não temos mais videocassete.
Achei também uma caixa com lembrancinhas da festa de um ano da Isabella. Joguei-as fora pois as traças roeram o papel.
Mais ao fundo da mesma caixa um envelope lacrado chamou minha atenção por parecer muito antigo. Era uma carta para o Caetano, mas não dizia quem era o remetente. Parecia nunca ter sido aberta.
Levei-a comigo e depois mostraria a ele.Continuei minha busca, mas minha alergia ao pó me impediu de encontrar a pasta que procurava.
Voltei para a mesa de projeto e fiquei pensando nas possibilidades daquela carta. Poderia ser um simples cartão antigo, desses de casamento ou aniversário de colegas de trabalho que nem damos muita importância.
O fato de parecer nunca ter sido lida é que coçava minhas mãos de curiosidade. Guardei a carta na cômoda do quarto e voltei ao trabalho.
Naquele mesmo dia Caetano estava angustiado em seu escritório. Silêncio e persianas fechadas indicavam mudança.
Sua única janela tinha uma vista privilegiada pois ficava no terceiro andar.Via a rua, as poucas árvores e sentia o cheiro da cidade.
Olhar pela janela era aprender a entender de gente. As cores das roupas, o corte ou penteado de cabelo, os acessórios.Todas essas coisas que disfarçam nosso medo de ser testado todo dia.
Reunião a portas fechadas trazia angústia a todos daquele andar. Um copo de café não faz sentido nessas horas.
Sem resposta, sem planos.Uma calçada pela frente e somente anos de gavetas e papéis para defendê-lo.
 Depois de uma volta no relógio, homens de preto saiam calados da sala ao lado. A comitiva abre a porta e o papel está na mesa. Difícil de olhar, mas era só mais um relatório.
Aliviado, com um vento ardendo entre os poucos fios de cabelo, Caetano canta seu chara com um dedinho batendo ao volante.
- Eu vou, porque não, porque não?
Caetano entrou em casa e foi para a biblioteca. Aquela carta trouxe uma reviravolta em sua vida.

2 comentários:

  1. Adorável crônica, Bea.

    Parabéns!

    Um notável quadro de uma época, de uma geração.

    Abraço!

    ResponderExcluir