quinta-feira, 10 de julho de 2008

Os livros que não lemos


Os livros que não lemos – Umberto Eco
Disponível em:


Lembro-me (mas, como veremos, isso não significa que eu me lembre direito) de um belíssimo artigo de Giorgio Manganelli, no qual ele explicava como um leitor requintado pode saber que um livro não é para ser lido mesmo antes de abri-lo. Ele não estava se referindo àquela virtude que muitas vezes se exige do leitor profissional (ou ao amador de bom gosto), a de conseguir resolver por algumas palavras iniciais, por duas páginas abertas ao acaso, pelo sumário, não raro pela bibliografia, se um livro vale a pena ou não ser lido. Isso, diria eu, são ossos do ofício. Não, Manganelli se referia a uma espécie de iluminação, da qual, evidente e paradoxalmente, se arrogava o dom.
Como falar dos livros que não lemos?, de Pierre Bayard, psicanalista e docente universitário de literatura, não trata de como saber se devemos ler um livro ou não, mas de como se pode falar tranqüilamente de um livro que não se leu, mesmo de professor para estudante, e mesmo em se tratando de um livro de importância extraordinária. Seu cálculo é científico: os acervos das boas bibliotecas contêm alguns milhões de volumes, e mesmo que leiamos um volume por dia, leríamos apenas 365 livros por ano, 3.600 em dez anos, e entre dez e 80 anos teríamos lido apenas 25.200 livros. Uma inépcia. Aliás, quem quer que tenha tido uma boa educação secundária sabe perfeitamente que pode acompanhar um raciocínio sobre, digamos, Bandello, Boiardo, inúmeras tragédias de Alfieri e até sobre As confissões de um italiano [de Ippolito Nievo] tendo aprendido sobre eles apenas o título e a classificação crítica na escola.
O ponto crucial, para Bayard, é a classificação crítica. Ele afirma, sem o menor pudor, que nunca leu o Ulisses de Joyce, mas que pode falar sobre ele aludindo ao fato de que se trata de uma retomada da Odisséia (que ele, aliás, admite não ter lido por inteiro), que se baseia no monólogo interior, que se passa em Dublin em um único dia etc. Assim escreve: “Portanto, em meus cursos acontece com certa freqüência que, sem pestanejar, eu mencione Joyce”. Conhecer a relação de um livro com outros livros não raro significa saber mais sobre ele do que o tendo lido.

4 comentários:

  1. Genial isso!

    Vim dar uma espiadinha, pq vi a indicação no blog da Ju :)
    Mas já tinha parado por aqui outras vezes!Muito om seu blog!

    Abraço!

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  2. Eu concordo e não concordo com isso. É fato que podemos mencionar livros ou, até mesmo, lecionar sobre os mesmos sem antes lê-los. Entretanto, é evidente que não podemos fazê-lo sem antes dominar o assunto. Se vc se interessa por algo, não precisa ler todos os livros do assunto. Lendo alguns, vc tem condições de entender o todo e ainda tem a oportunidade de encontrar diversas citações de outros autores. A partir de uma pequena citação e/ou opinião, de posse e conhecimento do assunto, vc pode questionar e até mesmo complementar o assunto. O importante, na verdade, é conhecer a relação de um livro com outros, conforme está escrito no final do seu post =)

    Blog interessante. Eu a descobri por causa da Jú.

    Um abraço.

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  3. Pensei a mesma coisa que vc qnd lí. Tem um outro que lí a pouco tempo, "Como trabalhar para um idiota", que não fica nem nas entrelinhas. É a sua afirmação pura, clara e bem escrita. Ou seja, se quiser se dar bem no ambiente de trabalho (que é o foco do livro), puxe o saco do chefe. Se vc fizer uma analogia pra vida, é quase como subjulgar todas as suas vontades, passar por coisas ruins, para depois, talvez, conseguí-las mais a frente.

    Horrível isso.

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  4. O que me assusta mesmo não são os livros que eu não li, ou que não poderei ler, mas sim o mundo de pessoas que jamais irei conhecer...
    Inda bem que a internet permite ampliar nosso raio de atuação: se não fosse por ela eu nunca teria ido procurar a poesia de um poema de Drummond. Valeu a dica!

    Um abraço!

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